O cansaço mental do novo modelo de vida

Especialista explica porquê houve aumentou dos sintomas psíquicos e transtornos mentais durante a pandemia

Passado algum tempo do início da pandemia no Brasil, parece que ainda estamos trabalhando num processo de adaptação.

Estamos com a saúde mental afetada por esta situação e pelo intenso trabalho psíquico de buscar esse ajustamento à tantas mudanças. Isso, por si só, já explica um pouco a sensação de “cansaço mental”, além de outros esgotamentos.

De acordo com a psicóloga do CRON – Centro de Oncologia, Francielli Macagnan, nosso psiquismo busca recursos para assimilar, sobreviver e conviver com o novo. Mas, diferente de outras situações em que o novo foi ficando conhecido e então menos temido, o vírus ainda apresenta desdobramentos surpreendentes pra todos nós. O que dificulta e torna mais árduo este trabalho de adaptação.

“Ter que nos adaptar ao novo, as mudanças que a vida apresenta, exige um importante investimento de energia, física e psíquica. Desprendemos esforços para nos organizar e encontrar alternativas diante do novo. Mas, isso tem um preço. E pode custar caro para nossa saúde mental, principalmente se nossos recursos internos não forem suficientes”, explica a psicóloga.

Nestes casos a busca por outros recursos externos, se faz importante e necessária.

De acordo com o Guia de Saúde Mental Pós-Pandemia no Brasil, houve um aumento importante de sintomas psíquicos e transtornos mentais durante a pandemia e isso tem relação com diferentes fatores.

Dentre eles, pode-se destacar a ação direta do vírus no sistema nervoso central, as experiências traumáticas associadas à infeção ou morte de pessoas próximas, o estresse induzido pela mudança na rotina, as medidas de distanciamento social e as consequências econômicas, na rotina de trabalho e nas relações afetivas.

E esses cenários, segundo Francine, não são independentes. Ou seja, “uma pessoa pode ter sido exposta a várias destas situações ao mesmo tempo, o que aumenta o risco para desenvolver ou para agravar transtornos mentais já existentes.”

Embora ainda não temos muitos dados para mensurar, já tem produções apontando o importante aumento da ansiedade e depressão na população. Um estudo realizado nos Estados Unidos analisou a prevalência do transtorno de ansiedade e depressão antes e durante a pandemia, comparou dados de 2019 com os de abril e maio de 2020.

Nesse último período, os indivíduos tiveram três vezes mais chances de apresentar transtornos de ansiedade, depressão, ou ambos. Observou-se também que a presença inicial de sintomas de ansiedade aumentou o risco de depressão no acompanhamento do período de 2020. Em outras palavras, adultos em 2020, são consideravelmente mais propensos a desenvolverem transtornos de ansiedade e/ou depressão, do que em 2019.

Exercício de reflexão

Para evitar o agravamento da situação, é preciso tomar algumas medidas, conforme indica a psicóloga.

“Proponho aqui um exercício. Pense, com quantas mudanças você teve de lidar desde março de 2020. Como ficou sua família? A rotina da casa, do trabalho, seus relacionamentos, sua qualidade de vida? Sabemos que isso impactou a população de forma geral. Mas para você, quais foram os impactos?”, questiona.

Reconhecer em si os conflitos que essa situação gerou, sendo capaz de perceber e validar o efeito que algo ou alguém tem sobre nós, tomando consciência disso, podemos ter uma mudança de comportamento. A capacidade de agir assertivamente, depende em grande parte da forma como identificamos nossas emoções e a forma operam em nosso comportamento.

Busque identificar seu estado neste momento, no que diz respeito à ansiedade e humor, a presença de preocupações exageradas e pensamentos repetitivos negativos, podem sinalizar sintomas ou transtornos de ansiedade.

Além da situação em si, o comportamento que você tem diante dela, pode melhorar a sensação ou piorar, aumentando a ansiedade, hipocondria e favorecendo o desenvolvimento de depressão.

  • O excesso de informações sobre à situação sem dúvida aumenta a ansiedade. A internet permite que qualquer pessoa comente sobre um tema sem embasamento, ou com pouco conhecimento sobre ele, incrementando as preocupações – Tenha fontes seguras e limite seu tempo de exposição;
  • O estresse, associado a outros fatores, como risco de doenças, problemas econômicos, confinamento, abuso de álcool e solidão funciona como estímulo ao sistema nervoso central, que pode não reagir adequadamente e desencadear, principalmente, sintomas de depressão e ansiedade – busque entender o que você pode e o que não pode controlar. Infelizmente muitas coisas não estão sob nosso controle, faça sua parte e aceite o que não está ao alcance. Ative e mantenho contato com sua rede de apoio;
  • Para lidar com o medo de adoecer – perceba no que sua situação se diferencia dos outros e crie rotinas saudáveis para si;
  • Movimente-se e preste atenção ao consumo de alimentos e bebidas, uma boa saúde mental tem muita relação com uma boa saúde física;
  • Observe a qualidade do seu sono e faça ajustes na rotina para ter um sono reparador;
  • Mantenha interação com as pessoas, respeitando as condições do momento. Distanciamento e isolamento são diferentes. Se não for necessário, não se isole.
  • Preocupar-se é normal, mas monitore seus pensamentos e se necessário escreva suas preocupações em algum lugar para que possa examiná-las e fazer uma avaliação realista sobre elas. Se for possível, compartilhe-as com alguém de confiança e peça ajuda.

Francielli Macagnan – CRP 07/24213

Psicóloga CRON

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